Moacir Jorge Rauber
Com a visita do Presidente George W. Busch em março de 2007, as manifestações antiamericanas no país se proliferaram, surgiram e foram organizadas por diferentes grupos e organizações, e recebendo o apoio quase que indistintamente de toda população brasileira. Foram estudantes, donas de casa, empresários, funcionários públicos, professores, formadores de opinião, entre outros, todos criticando abertamente George W. Busch e os EUA, na sua relação com o mundo. Nas manifestações foram destacados o imperialismo americano, a falta de “humanidade” por parte daqueles que são considerados os malfeitores da terra, responsáveis por quase todas as guerras. Tais guerras, quando realizadas, são acusadas de injustas; quando não realizadas são criticadas pela omissão, pela falta de atitude. E as críticas atingem diferentes áreas. Os EUA são criticados por suas posições de protecionismo do próprio mercado e por outro lado são criticados pela exigência da abertura de nossos mercados às suas empresas. São criticados pela massificação cultural feita por meio de filmes e músicas; são criticados pela alteração dos costumes, com a introdução de diferentes hábitos alimentares, como os fast food; são criticados por direcionar a moda; são criticados pela mudança da conduta, do comportamento e de valores, sejam eles familiares ou sociais, sendo quase todos ligados ao excesso de consumo; são criticados porque suas empresas, as famigeradas multinacionais, são predadoras e remetem todo o lucro auferido nos países onde se instalam para a matriz nos EUA. São criticados, principalmente, por acreditar que o mundo se resume à sua realidade, que todas as decisões, sejam elas de alcance local, regional ou mundial, podem ser baseadas nas crenças, costumes e valores americanos. Enfim, são criticados pelo que fazem ou deixam de fazer.
Quase todas as críticas têm seu fundamento e contam, em parte, com meu apoio. É realmente muito irritante ver a arrogância americana, a indignação entre seu povo quando sofrem alguma ameaça ou atentado, mas não reparam que suas incursões militares despedaçam centenas de vidas e famílias em outros países. Provoca náuseas assistir a um filme de ficção holywoodiano em que o planeta terra mantém contato com outras civilizações e o centro das decisões do planeta sempre são os Estados Unidos. É deprimente ver que a grande maioria dos americanos sequer sabem que o Brasil existe, exceto pela Amazônia. São muitos os motivos que produzem uma antipatia natural com relação aos americanos, mas me pergunto: por que os criticamos tanto? Será que os criticamos porque realmente somos melhores ou o seríamos se estivéssemos ocupando a posição americana de ser a maior economia do planeta? Será que os criticamos porque se, caso, fosse o Brasil o país que ditasse as regras do comércio mundial elas seriam mais justas? Será que os criticamos porque se a indústria bélica brasileira fosse a mais rica e desenvolvida no mundo nós não patrocinaríamos nenhuma guerra que fosse gerar divisas ao país? Será que os criticamos porque se nós tivéssemos a melhor indústria mundial de cinema, a maior produção musical, um comércio de alimentos empreendedor e criativo que criasse novos costumes alimentares, uma massa crítica formadora de novos costumes, comportamentos, condutas e valores, nós não permitiríamos que esse predomínio alcançasse culturas e países vizinhos? Será que os criticamos porque se nossas empresas se tornassem multinacionais elas seriam menos predadoras e não remeteriam o lucro auferido nos países onde se instalaram ao Brasil?
Por que não olhamos para o nosso próprio umbigo. Talvez o motivo de tanta crítica aos EUA seja porque somos iguais, porque já fazemos o que eles fazem dentro de nosso território. Os habitantes da Grande São Paulo e arredores, onde existe uma concentração industrial, crêem que o Brasil que produz se limita a esse espaço. A população da cidade Rio de Janeiro imagina que o país se reduz a essa região e que os costumes ali existentes são práticas comuns de todos os brasileiros. Este mesmo raciocínio se repete na relação de praticamente todas as capitais estaduais com o interior dos estados, tendo-se a crença que tudo deve ser decidido e deve ser baseado na realidade da capital. E assim sucessivamente, onde cidades maiores tendem a determinar a conduta, o comportamento e os valores para as suas dominadas menores. O Brasil também tem um comportamento tipicamente imperialista na sua relação com países menores, de menor poder econômico. Os brasileiros torcem o nariz quando se fala de Paraguai, porque a memória os remete tão somente à imagem gerada por Ciudad Del Este, fonte de renda dos “trambiqueiros” brasileiros. Poucos conhecem a cultura e as diferentes realidades paraguaias, exatamente como os americanos em sua relação com o Brasil. Quando falamos em multinacionais, achamos maravilhoso a PETROBRÁS divulgar um lucro recorde em sua história, boa parte dele auferido em outros países, com a mesma força predadora de empresas americanas. Quando falamos de música, achamos muito bonito chegar em Santiago, no Chile, por exemplo, e perceber que a música brasileira tomou conta da cidade e do país, seja ela, samba, pagode, axé ou MPB, influenciando e determinando novos costumes e valores naquele país. Quando a indústria brasileira vislumbra a possibilidade de ser o maior produtor de bio-combustível mundial, já se aventa a hipótese de dominar o mercado com o único interesse de garantir a lucratividade do setor no Brasil. E assim podemos continuar citando exemplos de comportamentos individual, organizacional e de país que se assemelham muito aos dos EUA em sua relação com o mundo.
Esta postura brasileira ficou evidente na recente visita do Presidente Lula ao vizinho país Paraguai. O Brasil, as empresas brasileiras, enfim, o povo brasileiro é tão ou mais imperialista que os detestados americanos. Muitos políticos paraguaios, diversos órgãos de comunicação e diferentes manifestações da população expressaram o verdadeiro sentimento do povo paraguaio para com os brasileiros e suas empresas. O senador Miguel Abdón Saguier disse em alto e bom tom, no Jornal ABC Color do Paraguai o que boa parte do povo paraguaio sente: "porque entregamos nossa soberania ao Brasil. Eles são donos do nosso presente e do nosso futuro e, pior, o Governo cruza os braços, satisfeito com as migalhas jogadas a nós vindas do outro lado da fronteira”. É este sentimento muito diferente daquele que nós expressamos com relação aos Estados Unidos? Ou simplesmente reforça que nós detestamos os Estados Unidos porque somos iguais a eles, apenas que estamos em pior situação?
Por isso vem à mente uma citação bíblica, “como podes dizer a teu irmão, deixa-me tirar o cisco que está no teu olho, não vendo tu mesmo a trave que está no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o cisco que está no olho de teu irmão...”. Desta forma, acredito que todas essas manifestações contra os Estados Unidos, independentemente da justiça de seus apelos, devem servir para que também vejamos a trave em nosso olho, porque no fundo as críticas são muito mais fundamentadas pelo fato que Brasil não está ocupando a situação que os EUA ocupa no cenário mundial. Na verdade não há uma preocupação real de resolver algum problema, porque caso fosse essa a preocupação resolveríamos primeiro os nossos problemas. Por fim, o que realmente nos incomoda e provoca as críticas aos EUA é o fato de sermos iguais a eles, com a diferença que os americanos detém conhecimento, têm poder econômico e político, resultado de uma democracia organizada há vários séculos, enquanto nós continuamos com a nossa república das bananas.
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